Crescer Tbm é Dizer Adeus

A folha cai, o fruto cai, o dente cai, a chuva cai, até o forninho cai. Surge o amor, as espinhas, o tesão, o verão. Crescem pelos, a ansiedade, e as opiniões. As formas mudam, o clima, o corpo, as estações.

Passam as horas, os dias, alegrias e expectativas. O choro de ontem nunca aconteceu, o amor eterno (vai pro inferno), não chegou nem no inverno. Passou a chuva,o calor e também o amor. A compulsão por comida, baladas e ficar com aquela(e) mina (cara) que até ontem parecia ser legal, também acabaram.

Passar as coisas a limpo perde a necessidade quando percebemos a verdade.

"Nasce" a vontade de crescer, ter passaporte, viajar com os amigos, sair da universidade.  Conseguir o diploma e dominar o mercado. Urge ir à praia, estar cada vez mais próximo da família, experimentar o desconhecido, flertar e fazer novas amizades.

Também urge criar coragem de se reaproximar da sua família.  Diga poemas em voz alta para todos, abraçar em sonhos os caleidoscópios de Martin Luther King, as reflexões de Malcom X, as delicadezas transparentes de Cruz e Souza ou Solano Trindade.

Cessa o querer, as antigas urgências, as compulsões pelos porres e idéias repetidas. As inconsequências, saudosas irresponsabilidades, de saber que apesar do universo ser infinito, ainda é menor que a estupidez humana, o que lhe permitiu se afastar daquela(e) a quem disse gostar.

Durante algum tempo houve a vontade de casar, ter filhos e outros desejos. Bem comigo mesmo, entre amigos e família é o teu reflexo.

Nasce ainda a vontade de transar com aquela amiga, porque é proibido proibir. De escrever às escuras uma biografia não autorizada da mal amada que insiste da vida alheia falar, exercendo a educação que recebeu.

O gosto pela leitura mudou, as músicas também, como é legal escutar hip-hop, samba e mpb. Muda o corte de cabelo, a quantidade de amantes. O jeito de andar, de seduzir, de beijar e se apaixonar.

As exigências são outras, mudou também a compreensão dos defeitos alheios, a semântica dos conceitos de fracasso, autoestima e amizade. Muda-se o gesto contido do que não serviu pra ela e caiu feito luva em você.

Como são belas e como dançam essas novas pretendentes, do jeito tímido, ao olhar malicioso, o cabelo quase raspado e o bem volumoso, as diferentes belezas com sorriso gostoso.

A vida é um aprendizado, a morrer em poucos passos, trocar a costumeira arrogância por doses cavalares de humildade. A trancar mentiras feias nas gavetas da consciência. Aprende-se a buscar rotinas mais éticas, um corpo mais harmonioso, relações mais mágicas e férteis, no amor e no trabalho.

Aprende-se a dançar um sambarock, embebido em estrógenos e testosteronas que circulam sem parar pelo salão da tentação.

Aceite o envelhecer, a preguiça da memória, a vitalidade que decai aos pouquinhos, a comida com menos sal, doces nem pensar. Tolera-se refrear a gula, em busco do tanquinho. As perdas que ontem doeram, as criticas alheias, implacáveis. As injustiças do julgo sem saber.

Tolerar com tristeza a verdade, de que não me tinha amor só amava o afeto que lhe dei, o impeto de querer amor e amizade alheira, sem antes  levar amor ou amizade, chuta que é macumba e viva a falsidade! Entre não ter a intenção até o deu a entender, percorreu-se um longo caminho, entre o quem disse e quem lê.

Ali hospedam doenças, às vezes insuperável, tumores a ser extirpados, egoismo e arrogância!

A despedida, longa ou curta nunca ocorreu, abandono inexplicável, a vontade, em seu estágio mais débil. O lamentável definhar de sorrisos e acolhidas familiares, histórias superadas pelo medo, indiferença, ódio e desamor.

Compreende-se que a beleza muda, algumas amizades transformam-se também, cuja euforia espalha no copo de alguém.

Por fim, descobri a sabedoria embutida no verbo crescer. No imprescindível desapego diário. Nas despedidas de hábitos inúteis, de algumas situações e de diversas pessoas.

Afinal constata-se que crescer também é dizer adeus!

(Texto adaptado de Graça Taguti)